Benedito, ajudante de pedreiro, pessoa de pouca cultura, porém de fino trato.
Fino mesmo era seu corpo. Daqueles miudinhos. Um sujeito franzino.
E aquela pele negra de fazer inveja a qualquer branquelo.
Mas o seu sorriso humilde estava sempre estampado no rosto.
Dito, assim era chamado carinhosamente por amigos e
familiares.
O rapaz de origem nada abastada curtia uma "branquinha", ou melhor, caninha. Às
vezes passava dos limites. Ou melhor, muitas das vezes. Ficava embriagado sem
controle. Trabalhava muito, mas nas horas vagas bebia demais.
O álcool tira o apetite da pessoa e esses era um dos motivos
que Dito apresentava-se entre pele e osso. Comia muito pouco. Numa panelinha
pititinha. Era sua marca registrada aquela cumbuquinha.
E por falar em branquinha, foi uma moça bem alva, mas bem
branquela mesmo que conquistou o coração desse pedreiro trabalhador. Uma
professora do grupo escolar. Olhos verdes, cabelo castanho, a educadora
rendeu-se ao sorriso encantador e à prestatividade do rapaz.
Espera aí... Uma professora com um pedreiro? Uma branca com
um negro? E dá certo isso?
Logicamente, de início, Dito não foi aceito pela família da
moça. Não por sua condição social. Mas pela cor de sua pele. O preconceito foi
forte.
Dito e a professora foram muito pacientes e perseverantes. Geraram
uma filha e estavam decididos a cria-la juntos.
Dito teve inteligência emocional para superar caras feias e
aos poucos conquistar a todos os parentes da esposa.
A professora teve gigantesca complacência para suportar as
bebedeiras do marido.
Ah... Contudo não vou mentir. Às vezes, ela dava altos ataques histéricos
ao ver seu companheiro totalmente embriagado. Que mulher aguenta isso, não é
mesmo?!
O tempo passou... O casal permaneceu unido. Sua filha
cresceu, casou, deu-lhe uma neta linda.
Embora tudo estivesse nos eixos, Deus preparou a Dito um
grande desafio.
E veio uma carga que Dito não esperava carregar. Aliás,
sequer pudesse imaginar um dia.
Seu sogro, pai da professora, adoeceu. Não reconhecia mais
as pessoas e tinha dificuldade de pegar os talheres. Aquele mesmo homem que
tempos passados foi bastante desagradável com Dito, pois era somente mais um
racista neste mundo injusto e cheio de ignorância.
Dito, grandioso no coração, acolheu seu sogro e cuidou do
velho até sua morte. Dava-lhe banho, comida na boca, colocava-o para deitar,
levantar. Enfim, o pedreiro negro magricela prestou de todos os detalhes que
um senhor no fim da vida precisa.
Não quis saber do dito pelo não dito. Evitou as inconclusões,
o disse me disse, e definiu a melhor forma de agir na situação.
Não tinha obrigação alguma, mas juntamente com sua esposa
cuidou de seu sogro como se fosse seu pai.
Que o mundo dá muitas voltas e que Deus prepara todo o nosso
destino Dito sabia.
Só não compreendia porque toda sua atitude perante o
senhorzinho, pai de sua esposa, avô de sua filha, gerava tanta comoção em boa
parte da família.
Só não entendia porque passou a ser visto com outros olhos
por alguns familiares da professora.
Mas eu já explico o motivo.
E a verdade é cruel.
Os filhos homens, irmãos da professora, que a vida inteira
não saíram da aba do sofrido pai, não quiseram cuidar do idoso. Sempre aquela
desculpa de que não tinham tempo, de que não tinham paciência, de que não
tinham jeito, de que não tinham dinheiro.
Dois bostas, que jamais chegaram aos pés do humilde Dito.
Dito virou o herói da família porque fez o que pessoas de
bom coração fazem.
Do contrário, há gente que jamais entenderá isso. Não tem
amor ao próximo.
Dito segue sua vida na simplicidade que Deus lhe deu. Com o
sorriso mais generoso que se possa ter, que se possa distribuir.
O rapaz de fino trato, agora idoso, espera o tempo ordenar
que ele seja bem cuidado assim como outrora cuidou de outrem.
E há de ser. Ele merece. E Deus sabe disso.