Os restos que satisfazem
Resto. Palavra feia, muitas vezes com um significado triste que lembra desperdício, destroços, rejeição. Mas tem quem use a expressão de forma chique: excesso, remanescente, resíduo.
Bobagem. Sem firulas, resto é o saldo do que ficou para trás.
Eh... Amália, doce menina mulher, de personalidade forte, mas humilde nas atitudes que dizem respeito a “resto”.
O “resto”! Tão marginalizado, tão injustiçado. Desperdiçado
na maioria das vezes. Enojado por muitos. Reciclado por poucos.
E você pode pensar que Amália, amante de reaproveitar restos
fazia isso pela causa de proteção ao meio ambiente.
Engano seu. Assim como muitas pessoas, o aproveitamento dos
restos de Amália era somente para seu prazer. E eu posso provar.
Sabe aquela sobra de esmalte que ficou no vidrinho?
Amália adorava misturar os restos de esmaltes. Achava-se
alquimista, pois uma nova cor surgia. Passava nas unhas e saía como se fosse a
mulher mais exclusiva da face da Terra.
Sabe aquele pedaço de pizza que sobrou da noite anterior?
Amália adorava comer pizza amanhecida. Sequer a esquentava no
micro-ondas. Saboreava aquele último pedaço como se estive fazendo seu desjejum
num café bar em Paris comendo um saboroso croissant.
Sabe aquele pedaço de bolo de aniversário e aquela meia
dúzia de salgadinhos que se leva para casa depois de uma festinha? Ah... o
brasileiro só é feliz se levar um pratinho para casa.
Amália não era diferente. Adorava fazer sua matula para
levar para casa. Um generoso pedaço de bolo, uns salgadinhos e, claro, alguns
docinhos. O café da manhã do dia seguinte já estava garantido. Tipo de
prazer que Amália fazia questão de viver.
Adorava ganhar roupas usadas. Aquelas que as irmãs ou amigas acumulavam em seus guarda-roupas. Compunha novos visuais com as peças. Vestia-se impecavelmente. Sentia-se bela.
Nem preciso dizer que Amália não perdia tempo em ouvir a
opinião dos outros quanto a comer comida amanhecida, ficar aproveitando
restinhos de esmaltes ou usar roupas fora de moda.
É lógico que indiretamente Amália contribuía com o meio
ambiente ao evitar desperdícios tanto de esmalte como de alimentos e roupas.
Porém, há um outro motivo ainda mais grandioso para
justificar o reaproveitamento desses restos de Amália. Motivo majestoso para
Amália, deixo bem claro.
Sentia-se única ao passar uma cor gerada pela mistura dos esmaltes.
Ao combinar peças de roupas já fora da estação achava-se descolada. Sentia-se desafiada a vestir-se bem com modelos, tecidos e tons da estação anterior.
Transportava-se mentalmente para Paris e encontrava-se
confortável com aquela imaginação que o pedaço de pizza amanhecido trazia... Que luxo!
E apresentava-se a um prazer ímpar ao saborear as sobras da festa no
café da manhã. Quem nunca?!
O resultado?
Autoestima lá no topo.
Os restos de Amália a satisfaziam tanto a ponto de aumentar
sua autoconfiança, pois antes de tudo curtia muito sua própria presença. Companhia essa, muitas vezes menosprezada pelos outros.
Essa é a importância de se autoconhecer e saber o que lhe faz bem.
Ao buscar prazer em atitudes simples na vida, sua força interior tornara-se inabalável.
Amália, a doce menina mulher, sabia fazer do limão uma limonada.
E sim.
Logicamente, há restos e restos.
Cabe a cada um
saber aproveitá-los. Ou não.
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