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O nome da pessoa e o bullying
A escolha do nome da criança
Em uma linda noite de um sábado do início de maio, em meados da estação de outono, sob o signo de touro, nascia a terceira filha de um professor e sua esposa costureira.
Seu prenome, aquele que vem antes do nome da família, já havia sido escolhido por seu pai que tratou logo de registrá-lo em cartório para que nenhum desavisado ousasse dar pitaco em como deveria chamar-se a nova criança.
Moab.
Sim. Moab foi o prenome escolhido.
De origem hebraica, na escritura sagrada trata-se de nome de homem. Na vida real, apenas um nome o qual seu progenitor achava bonito e forte.
Iniciou-se aí a saga de uma pessoa do sexo feminino a carregar o peso de ser registrada com o prenome masculino.
Estava instaurado o bullying com humilhações e perseguições.
Aos conhecedores dos ensinamentos da bíblia a escolha paterna não foi bem aceita. Moab ou Moabe foi um garoto gerado por um incesto, não sendo recomendável utilizá-lo como nome de uma menina. Nem de menino. Representa pecado.
O padre da cidade, no momento do seu batismo católico pronunciou: “eu te batizo, Moab Maria”. Foi uma forma que encontrou para afeminar o nome da criança menina.
Aos que não conheciam os detalhes do texto sagrado a confusão era potencializada com o sobrenome, aquele que representa o nome da família, que vinha logo após Moab.
Damião.
Sim. A inocente anjinho passou a chamar-se Moab Damião.
Moab Damião era visto como nome masculino composto como André João, Antônio Pedro, Luís Gustavo, Paulo José ou qualquer outra combinação entre dois nomes relativos a homem.
A menina mulher começa a frequentar a escola com o nome de menino homem.
Logo, Moab Damião ganhou novos rótulos. Geralmente vindo dos meninos, eles a apelidaram de Joabe, Monalisa, Mabel, mob dicky (uma baleia personagem de um filme), mocoronga, e o favorito dos colegas: Cohab (que à época era a sigla de Companhia Habitacional do governo).
Além disso, a garotada empurrava a menina para entrar no banheiro masculino, para compor a fila dos meninos, para jogar no time dos pentelhos.
Todos os anos seu nome saía na lista da educação física dos meninos obrigando sua mãe a interceder junto à secretaria do colégio.
Moab Damião aprendeu a se defender como pode. Chorava, xingava, gritava. Falava estupidamente com as pessoas. Distribuía socos e pontapés para quem a chamasse por algum apelido. Tornou-se um projeto de macho bruto.
Era um pedido de socorro que nenhum adulto à época soube entender.
Não foi diferente quando chegou sua maioridade.
Sempre que pronunciava seu nome era questionada sobre qual seria seu sexo.
Ganhava brindes inusitados como edições de revistas voltadas para o público masculino.
Atendia ligações de telemarketing pedindo para falar com “o senhor Moab”.
Recebia cartas de mala direta com o vocativo “Prezado Senhor Moab”.
Ah... E o uso dos malditos apelidos da infância continuava sendo Cohab o de maior frequência.
A mulher feita precisou de ajuda especializada. Já não suportava mais o peso de ser achincalhada por causa de seu prenome, de seu nome.
Não sabia se comportar com uma dama. Comportava-se como um sujeito grosseiro. O relacionamento com os homens foi drasticamente prejudicado pois queria ser como eles, tratando-os com brutalidade.
Após várias e várias seções de terapia descobriu que o bullying sofrido alterou significativamente a sua personalidade.
Inimaginável a quantidade de outras reuniões com sua terapeuta que foi, e ainda será necessária para ajustar seu jeito de ser.
Logicamente, medicação psiquiátrica também teve que ser prescrita.
A menininha do papai tinha transformado-se em uma pessoa sem educação, que respondia aos outros sempre de forma grosseira. Vivia na defensiva, com dificuldades em receber críticas.
O mundo é cruel com pessoas assim.
Moab padecia.
Chegou a criar um personagem. Todas as vezes que não queria se apresentar com o prenome Moab dizia que se chamava Mônica.
Mônica era o nome que utilizada para se apresentar às pessoas quando não queria revelar sua verdadeira identidade. Era o espelhamento da personagem de Maurício de Souza. Uma garota brava, briguenta, mas forte.
Seu pai jamais imaginou que o prenome escolhido pudesse lhe trazer tanto sofrimento. É óbvio que nunca quis isso para a filha.
Os dias seguem... Moab ganha um anjo da guarda em sua vida. Uma colega de trabalho que soube entender seu martírio e ofereceu a melhor ajuda de todas.
Moab, com o suporte de sua amiga, pleiteou na justiça o direito de alterar seu prenome.
Um processo tão bem estruturado pelo seu anjo amiga que logo saiu a sentença.
Trinta e cinco anos depois da escolha paterna e dois meses depois da decisão judicial, nasce Mônica.
Morre Moab.
Morre Moab Damião.
Nasce Mônica Damião.
Foi, até então, o momento mais feliz de sua vida.
Não precisou mais se identificar usando um nome masculino.
Não fez mais sentido ouvir apelidos traumáticos como Cohab.
Teve que reaprender a viver com críticas, a argumentar sem ser estúpida, a ter mais paciência sem precisar chorar, gritar, xingar.
Sua personalidade precisou ser recomposta.
Um novo nome lhe trouxe mais feminilidade.
A felicidade transbordou e todo o trabalho psicológico era realizado com enorme satisfação. Difícil, mas a vontade de melhorar era superior.
Teve que aprender a entender que as pessoas não queriam atacá-la a todo momento. Não precisava se defender a cada diálogo. Não precisa ser rude a todo instante. Mas com trinta e tanto anos agindo de uma forma...
E assim ela seguiu sua vida.
Ainda com muito a se fazer para que sua personalidade seja aprimorada a cada dia.
Porém, contente como nunca esteve.
Em pouco tempo mudou seu guarda-roupa com peças mais coloridas. Tingiu o cabelo para um tom mais claro. No dia a dia, aumentou o uso da maquiagem.
Os anos passaram e com o nascimento dessa nova mulher veio o desejo de formar uma família. Ter um lar com papai, mamãe e filhinho.
E aquela terceira filha do professor e da costureira, que foi registrada com o nome de um garoto gerado de um incesto, conforme a Bíblia, e que já não existia mais, e já com seus quarenta e poucos anos conseguiu formar sua família.
Moab nunca mais.
Mônica, menina mulher, agora esposa e mãe, avança. Devagar, mas persistentemente.
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